Tenho que admitir que até há uma semana só de nome conhecia Wim
Wenders e Pina Bausch. É uma vergonha, eu sei, mas a Bausch era, para mim, a dança contemporânea, coisa que eu
reduzia a um palco de pessoas magras, convalescentes,
com espasmos epilépticos ao som de barulho pós-moderno (para além de
achar, não surpreendentemente, uma forma de arte rodeada por uma enorme
snobeira); o Wenders era um realizador a revisitar com cuidado desde aquela vez
(num tempo longínquo, ainda eu imberbe) em que os primeiros quinze minutos do Paris,
Texas me
puseram a ressonar bem alto. Não me orgulho deste parágrafo, não senhor.
[Estou num negócio infestado de snobs profissionais, de fama e
nome, que adoptam uma filosofia de vida que me repugna profundamente. Snobmente
vejo a sua snobeira como novo-riquismo, e vou-me deixar destas merdas e
tentar ser um bocado mais terra-a-terra.]
Sem expectativas, de nariz torcido e sobrancelha arregaçada (os
símbolos da Ordem Internacional da Snobice) fui ver o Pina ao
festival de cinema. [Que puta de moral tenho eu para julgar fãs de dança
contemporânea, se vou a festivais de cinema ver coisas tão obscuras como filmes
da nova vaga sul-asiática dos anos 80 inspirada no vanguardismo formal na nouvelle
vague francesa…
(nota: mais sobre este ciclo em breve). Sou uma besta.] Pelo
encadeamento deste post já dá para perceber o impacto redentor que o filme teve
em mim. Não é só das homenagens bem mais conseguidas de um artista a outro –
corrijo, de uma arte, o Cinema, a outra, a Dança; como foi o filme que me
convenceu das potencialidades do bom uso do 3D. A estrutura do filme pode ser
algo rígida, com a sucessão de testemunhos dos discípulos da coreografa, mas as
sequências de dança e representação extraordinariamente filmadas (pode haver preferidas,
mas são todas magníficas) enchem-nos de uma expressividade e leveza esotérica
[*] que descobri, com o filme, na(quela) dança contemporânea.
Não há narrativa, não há tentações biográficas, o foco é no
trabalho – no legado – de Pina Bausch. Mas a homenagem propriamente dita vai
para além disso. Não faço ideia até que ponto o Wenders era devoto de Pina, mas
compreendeu, com certeza e segurança, a linguagem cinematográfica da sua dança.
Talvez por isso o uso do 3D, transpondo para a tela o espaço do palco – a
profundidade. E como ele molda os enquadramentos à postura das personagens e o
que elas representam (o que é o mesmo), entre o cenário filmado, dinâmico, com
a substância da motion picture, encenado como no
palco, mas captado pela câmara. É preciso um erudito na língua do Cinema para
traduzir com autenticidade para a tela a expressão própria de uma outra forma
de arte. Wim Wenders gostava mesmo muito de Pina, não tenho dúvidas, e
percebeu-a do melhor ponto de vista: o da objectiva; o seu, portanto.
Espero que Pina seja uma surpresa tão boa para vocês como foi
para mim. Mas, como tantas e tantas vezes altíssimas expectativas me estragaram
sessões de filmes surpreendentes, não se iludam, tudo o que escrevi em cima
mais não é que uma tentativa forçada de me afirmar como connoisseur (e,
reparem, não connaisseur como na
forma correcta, em Francês) de Pina Bausch e de dança contemporânea. Vão
vê-lo e façam posts bonitos aqui no blogue para impressionar os fãs da senhora.
*ipse dixit – a besta pseudo-intelectual, isto é.
publicado em 31.03.2011