santa catarina blues


É fim de tarde em Santa Catarina. A mais comercial das ruas do Porto está  fechada, ou prestes a fechar, algumas lojas já correram as grades contra os assaltos; já correram de lá de dentro os últimos clientes para o meio da rua (estivéssemos em hora de ponta e seria impossível chegar-lhe ao meio, com o dilúvio de gente que a atravessa). Já quase não há luz natural, já se acenderam os candeeiros que este ano, tudo indica, não vão receber os tradicionais enfeites de natal. Daqui a umas horas a rua fica na penumbra, assolada pelo vazio. Mas ainda há barulho: gente a falar, a berrar, pregões dispersos de castanhas, meias, lotaria, caridade, aleluia, já estamos em saldos!, quem as quer quentinhas: alimento, roupa e esperança. E uma música, muito alta, um som exótico neste cenário de desolação pressentida. Vem daquele canto: junto à cabine grafitada está uma mulher forte, loura, que canta no karaoke portátil uma melodia pastosa em língua incerta do leste europeu. Ginga as ancas quarentonas, sublinhadas pela roupa justa, ao ritmo enjoativo da canção; as mãos bem presas ao microfone. E é estrela improvisada dos clássicos de música ligeira que passam na Rádio Festival nas noites de domingo – mas neste derivado do russo. Aos seus pés, sentado, o filho: puto loirinho de dez anos ou menos, que é o dj do aparato, e num computador Magalhães ligado ao amplificador selecciona o reportório da mãe. Ali, mãe, filho e Magalhães, estoiram os últimos cartuchos do dia. Não sei quanto lhes rendeu, não fui lá por o contributo da caridadezinha, nem vi ninguém a fazê-lo. 
Está frio, é de noite, foram todos embora.





publicado em 12.11.2011