Estas eleições foram bastante
bizarras, muito por conta da diferença horária que me obrigou a esperar até às
três da madrugada para saber as primeiras projecções, e as duas horas de
discursos que acompanhei até colapsar de sono – assistia então ao discurso do
Jerónimo.
Durante a tarde de Domingo uma
música latejava insistentemente na minha cabeça, uma cantiga de um filme da
Disney que eu adorava quando era puto e que, em português do Brasil,
profetizava: você já vai,
já vai tão cedo assim / que triste ver você ficar sem miiiiiim. E
que alívio, finalmente, tirar esta música da cabeça às três da manhã. Que bem
soube o dinheiro e paciência que gastei em fazer chegar o meu voto a Portugal.
Pela primeira vez fiquei desmesuradamente contente por alguém ter perdido umas
eleições. Por quem as ganhou também, mas é um contentamento contido. Vou
esperar que o governo que o Cavaco quer formado até dia 23 não me estrague o
São João. Se estragar não terá perdão e, – escrevo-o agora e fica escrito
– nas próximas legislativas da República prometo votar no partido que se
comprometer a regionalizar administrativamente o país. Da Esquerda à Direita,
não importa: o que com mais convicção defender a reforma. Se for essa a
intenção dos Animais então os Animais terão o meu voto. (Já agora, um conselho
ao partido surpresa da noite: fundam-se com os Terráqueos do MPT e criem um
grande partido ecologista português. Digo, um a sério, que vá a votos e não
orbite em torno de um Comité Central).
Com muita mágoa e preocupação
vi o trambolhão do Bloco nessa fatídica noite. Isto é sério, ainda que venha de
quem vem, ou talvez não, não sei, mas é sério. O Bloco que eu conheço de perto
atenta contra a minha ideologia política, claro, e por isso andamos sempre às
turras. É natural. Mas, enquanto partido (ou movimento cívico, como talvez
devêssemos vê-lo), aprecio a genica e garra que os move a participar
activamente na “mudança”, sem depender de máquinas e aparelhos.
Surpreendentemente, as maiores provas de empreendedorismo cívico vêm do partido
mais à esquerda do parlamento português. Empreendedorismo não, que é palavra
tenebrosa; “luta”, ou “revolução”, ou como quiserem. Com poucos meios, contam
sobretudo com a dedicação honesta (não cacique orientada) dos seus militantes
em campanhas ou movimentos que se debruçam sobre as minorias, os problemas
sociais e a luta contra o grande capital. Como se isso não estivesse tudo
relacionado, dir-me-ia um deles.
É a dor de cabeça da Direita.
No Porto têm feito a vida negra ao Rio desde o primeiro mandato. Há excessos e
abusos, de um lado e do outro. Mas que seria a democracia sem um qualquer tipo
de dialéctica revigorante? Ocupa-se o Rivoli, congela-se os ocupantes; quer-se
um shopping no Bolhão, mobiliza-se a cidade contra o abuso capitalista;
branqueiam-se os problemas sociais dos bairros, arrasa-se o pior deles todos;
projecta-se um centro de congressos num jardim da cidade, ameaça-se com um
referendo, com a voz do povo. Independentemente da posição que tome em cada
caso particular, na (minha) ideal concepção de uma sociedade democrática este
choque permanente é basilar e, creio, o método que melhor traduz a
representatividade tão desejada. E neste ponto um bem-haja à flexibilidade
ideológica do Bloco que permite ao partido apoiar in loco um sem-número de
movimentos cívicos de nichos e, assim, minar as tendências ditatoriais da
maioria. Estudantes, artistas, imigrantes, gays, desempregados, gente à rasca,
a cidade tem de ter gente nas ruas a fazer barulho por si e pelo grupo, porque
senão o povo acomoda-se e a democracia empoeira-se. Desde que vim para o
Oriente é esse o meu maior medo.
Comentava a Sofia uma frase
minha sobre o mesmo assunto, num outro posto: precisamos de oposição, sim. E de alguém que seja
minimamente “tachismo free”, ainda que possa defender ideias que soam a
absurdas e utópicas de vez em quando. E precisamos de gente
que nos chame de reaccionários e nos atire para a luta, se não a de classes
então a de ideias. E que nos leve para a rua, que esse não é palco exclusivo
nem da Esquerda nem da Direita. E que assim se faça a cidade livre e justa.
(Oh, que saudades do tempo do
idealismo inocente.)
publicado em 07.06.2011