Reacções finais



Melancolia”, nas palavras do seu realizador, «é um filme bonito sobre o fim do mundo». O filme é isso mesmo, ninguém o diria melhor. Mas é um bonito fim do mundo de classe (alta): há um palacete neogótico, jardins com buxos aparados em ovo, personagens depressivas, pânico, e ansiedade gritante; há champagne, há fausto, comprimidos e disfuncionalidade; há Wagner, corpos celestes em desvario, e (quatro?) cavalos.
O “Cavalo de Turim” de Béla Tarr (ainda não tinha escrito sobre ele) é um filme belíssimo e  desesperante sobre o fim da existência (ou do mundo, é o mesmo). Também é um belíssimo fim da existência de classe  (baixa): há uma cabana de pedra suja, um campo árido que o mau tempo tornou infértil; não há vida fora da casa, dentro dela há sofrimento resignado, um tempo infinito que atrasa a inevitabilidade do fim; há uma vela, uma mesa e uma janela; há meia dúzia de batatas, um pote de sal, e um cavalo.
No primeiro, a consciência do fim vem por revelação, pelo prelúdio ao Tristão e Isolda de Wagner que, num compasso e cuidado perfeito, exibe o apocalipse planetário em todo o esplendor que o digital permite. E é esse conhecimento que antecipa a implosão do cosmos pessoal, o desmoronamento da vida familiar de Justine. Os laços sociais com o mundo são impossíveis com a (pre)visão do fim: life on earth is evil, no one will miss it. Nem a mais esforçada – e burguesa – atitude blasé da Senhora da casa tem força para a aguentar nos últimos minutos (um copo de vinho, deitados na espreguiçadeira com vista sobre o relvado e, ao longe, a perdição). O pânico é a última força vital possível.
No segundo, a inevitabilidade é um dado da vida, a morte vem com o vento de inverno que já se alastrou ao campo das batatas e chegará, em breve, à casa. Basta esperar. Preto e branco, pouquíssima luz e o silêncio da voz humana substituída pelo barulho da intempérie lá fora. O fim não chega por meio de sinfonias orquestradas que sublimam a magnitude do derradeiro clímax; ou sequer por dúvidas existencialistas que massacram a alma. A morte é certa e próxima. A resignação é o melhor (o mais nobre) que se consegue quando só há batatas cozidas e sal à mesa, e uma janela como ligação ao mundo. O silêncio é o que torna o Final mais fantástico e sufocante. Sufocante, é isso mesmo. E fantástico, como quando cai o pano e sustemos a respiração.


publicado em 05.12.2011