Rui Moreira ganhou a Câmara do Porto com 40%
dos votos. É alguém que, apesar da sua participação na vida pública, não tem
qualquer experiência política no currículo. No Domingo defrontou nas urnas um
ex-secretário de Estado e um autarca batidíssimo e ex-líder do maior partido da
Direita. Cada um teve metade dos votos de Moreira. Explicou-se o fenómeno pela
redenção democrática dos ‘independentes’, pelo voto de protesto contra o
governo de Passos Coelho, pelo FCP e pelo fim do mundo. Nada disso (ou talvez a
última hipótese): Rui Moreira foi o candidato anti-Menezes e isso ditou todo o
resultado. Muito graças à agoniante campanha do porco assado e dos tesourinhos
autárquicos com que o candidato de Gaia nos brindava diariamente, mas,
sobretudo, por um factor crucial e da maior significância política — a sua
ininteligibilidade imediata é prova de como está já bem incorporado nas
expectativas do eleitorado portuense: o legado de Rui Rio.
Houve um ponto de viragem — de rotunda
viragem — nestas eleições. Rui Rio, numa entrevista à RTP em Julho, optou (e
bem) por não expressar o seu apoio a um candidato. Antes, identificou
fulminantemente aquele que representava a clara negação do seu projecto
político: Menezes. Dois meses antes das eleições, o resultado das autárquicas
no Porto estava traçado.
Rui Moreira era apoiante de Rio pelo menos
desde 2009. Há quatro anos, quando andei em campanha, vi-o inúmeras vezes entre
a multidão que pedia a reeleição do presidente. Não estava a seu lado no
púlpito, mas numa posição reservada, sempre atrás. Muitos dos que então
acompanhavam Rio no palanque estiveram este ano de braço dado com Menezes, numa
candidatura que, como disse à RTP, era tudo aquilo que ele não queria para a
cidade. Se Moreira não tivesse avançado para estas eleições e Rui Rio tivesse,
ainda assim, declarado o seu repúdio à candidatura de Menezes, o resultado de
Domingo teria sido facilmente adivinhável: Manuel Pizarro era hoje o novo
presidente da Câmara do Porto. Nem me espantaria se, nesse cenário remediado, o
CDS aparecesse a manifestar o apoio à candidatura do PS. Eu, pelo menos, teria
votado Pizarro.
Moreira conquistou o lugar de sucessor
político de Rio quando subiu à presidência da SRU e quando assumiu como
discurso e prioridades aquelas que o autarca prosseguira em doze anos de
mandato. Teve o bom senso de corrigir as tricas de Rio com a comunicação
social, promoveu a cultura a nova bandeira (conservando a reabilitação do
centro histórico e o investimento nos bairros sociais), fez uma campanha
autárquica moderada e – talvez a palavra mais desprezada por Menezes – local.
Moreira fez tudo bem (de resto, como Pizarro). Mas a vitória é de Rio. Caso
vença daqui a quatro anos, Moreira poderá, então, reclamar todo o mérito para
si. Como Rio o fez em 2005, depois de Fernando Gomes lhe ter oferecido a Câmara
em 2001.
Rui Moreira é uma pessoa estimável no Porto,
imagem de uma elite benevolente e útil (porque ligada ao tecido empresarial,
numa cidade que nunca pôde depender do Estado) que compreende os problemas
quotidianos da cidade — inclusive, os problemas do “povo”, segundo aquela
abjecta dicotomia vincada por Menezes até ao vómito. Querendo parecer
simultaneamente erudito e popular, Menezes hostilizou as elites da cidade e
presenteou os bairros (o povo cristalizado) com o mais foleiro folclore
propagandístico. Por se dizer apreciador de Verdi e de Nel Monteiro, de
Antonioni e da Casa dos Segredos, assim justificando o amplo apoio social do
seu movimento, Menezes fez-se candidato de ninguém senão de estereótipos de
telenovela.
O outro pilar eleitoral de Menezes foi o
discurso da omnipotência do presidente de Câmara. Desprezando o bom senso e
toda a sensibilidade dos eleitores, Menezes exibiu-se de pérolas falsas e
lantejoulas a uma plateia que todos os dias ouve na televisão o toque fúnebre
das políticas de austeridade. Para Menezes, é o investimento público que deverá
tirar a cidade da crise. Não qualquer investimento público, mas aquele que por
mais conspícuo e simbólico fizesse do seu reinado no Porto um arco triunfal de
iluminados ditames pessoais. A acção pública que os eleitores reclamam é aquela
que mais sofrimento alivia. A rentabilidade do investimento, nestes casos,
mede-se pela melhoria de bem-estar social, mede-se pelo alento que os mais
necessitados tiram da ajuda do Estado. Se o dinheiro é escasso, ninguém achará
que um heliporto ou uma feira popular serão mais prementes que, por exemplo, a
recuperação das escolas ou a boa gestão da habitação social.
Por isso engana-se quem via no programa de
Menezes a voz da Direita. A sua sede dirigista e o seu paternalismo maníaco são
o que de pior tem a Esquerda, aquilo que nenhuma Esquerda hoje tem sequer. Não
há já lugar campanhas destas. É, aliás, inútil enquadrar o seu programa no
espectro político. Mais valia adaptá-lo a uma saga de literatura fantástica.
Rui Rio legou à cidade a linha oposta:
moderação, definição de prioridades, realismo no âmbito de acção. As suas
disputas pessoais na Câmara serão sempre lembradas — Moreira teve-as em conta
quando se demarcou claramente delas. Mas a força política dos seus mandatos vem
da tríade referida. Os eleitores sabem pesar as coisas.
Em 2013, é Rio quem, no Porto, reúne maior
capital político. A cidade não está disposta a largar os doze anos de boa
gestão autárquica. Rui Rio deu a sua confiança a Moreira. Os eleitores reagiram
positivamente, vendo um sucessor à altura, capaz de introduzir um cunho pessoal
na continuação do projecto de Rio para a cidade. Tenho a convicção que Rui
Moreira será um excelente presidente da Câmara. Mas, até o provar no terreno,
deverá orgulhosamente encarar-se como o primeiro rioísta depois
de Rio. O primeiro de muitos, espero.
publicado em 01.10.2013