O alinhamento místico



Não sou grande fã de Astrologia; os seus axiomas e postulados não me convencem, nem me afecta a graciosa dança celeste entre planetas, estrelas, satélites, lixo espacial. Não me apraz minimamente ver a Pomba Gira a dançar kuduro de fio dental tigresa, ou de ouvir o Prof. Bambo às 2h da manhã na Roman FM, a cozinhar mezinhas para as suas ouvintes pré-menopausicas. Consta nos astros, nos signos, nos búzios, garantem os orixás, mas, confesso, prefiro confiar as decisões mais importantes da minha vida ao Borda d’Água.
Contudo, meus amigos, sistema completamente infalível é aquele que consiste em reunir à volta da constelação das 5 estrelas (das 4 também, que perfeito perfeito só mesmo o Sócrates) os quatro críticos do Público. Da última vez que assistimos a este fenómeno, estreava nas salas de cinemas “Cartas de Iwo Jima” do Eastwood. Na penúltima, “Million Dollar Baby”, do mesmo realizador, fazia a sua entrada no Hall of Fame da 7ª arte. Foi assim que, para as duas obras primas da última década, os “quatro implacáveis” se renderam prostrados de alma e coração à grandeza do cinema.
Meus irmãos, o imprevisto voltou a acontecer! “Milk”, fruto da arte e engenho de Gus Van Sant, teve agora essa honra. Não me vou adiantar a declará-lo a apoteose cinematográfica do ano (pelo menos enquanto não o vir). Mas os indícios para que isso aconteça estão bem escarrapachados na matriz da crítica do P2. Danem-se os astros, os autos, os signos, os dogmas, os búzios, as bulas, anúncios, tratados, ciganas, projetos, profetas, sinopses, espelhos, conselhos, se dane o evangelho e todos os orixás*, se isso não for verdade.

* “Dueto” de Chico Buarque


publicado em 29.01.2009