Chegará
o dia e não se ousará sequer pensar que o cinema morreu, ou morrerá outra vez.
Voltaremos às salas da belle époque como voltámos (rastejando, um dia há muito
tempo) às catedrais góticas do passado: para provarmos o assombro e temermos
pela nossa abençoada insignificância – agora (e então) como em 1895, quando o
cinema nasceu.
As
luzes intermitentes da entrada serão o feitiço eterno da electricidade. Pela
mesma força que pôs um século inteiro em andamento seremos resgatados do tédio
deste nosso, chatíssimo e premeditado. O hall magnífico de um pé direito maior
que a vida será novamente espaço de sociabilidade acolhedora,
encontro-choque-destruição, ebulição de civilizações ideais; de acólitos
ansiosos pelo mistério do altar em tela, todos juntos, esperando pacientemente
em sofrida euforia. Até que, por fim, as portas abrem, e vamos entrando
lentamente de cabeça baixa. No infinito de luz que acaba no pano branco, fina e
pontualmente envolvido pelo ouro da arte nouveau, quando os lugares forem
ocupados, todo o brilho desvanecerá em venerável cadência. Inaugurar-se-á o
escuro que mergulha cada alma dessa sala cheia de gente na mais profunda
solidão. Esperamos, é o vazio, nada, e eis. No início é o raio de luz que
surge inexplicavelmente. E dá-se o milagre do cinema: momento em que a tela nos
salva da nossa solidão pessoal, egoísta, perdição, e a torna solidão partilhada
– comunhão de preces de redenção pelo mistério da luz que vem da tela. E,
entregando-nos, revendo-nos nela, ousamos pensar que compreendemos a
existência; ao sairmos da sala somos mais perto de alguma coisa simultaneamente
real e ideal. Pelo menos enquanto durar a ilusão.
A ilusão não cabe neste tempo (nem a luz, nem Deus, nem o cinema).
Esperamos.
A ilusão não cabe neste tempo (nem a luz, nem Deus, nem o cinema).
Esperamos.
[Voltei de uma semana de muitos e
maravilhosos filmes. É isto que eu quero todos os Natais, e o que desejo a
todos neste Natal. Boas festas!]