ingrediente


Naquela noite tudo estava bem: tocavam a poucos metros de nós, era um concerto gratuito ao relento de uma banda desconhecida mas agradável; os amigos à minha volta conversavam com vontade e com gozo, sem pretensões de impressionar, sem artifícios de modo, ou de moda; e o vinho, o porto meloso que embalava tudo com ternura alcoólica e já me tinha feito deitar no chão, olhar o céu, e notar as estrelas recortadas pelo perfil angular da casa da música. E me fez concluir que tudo estava ali, e estava bem.
Naquela noite tudo estava bem: jogavam no parque, àquela hora os campos de futebol estavam cheios de miúdos chineses a correr; no jardim atrás não havia ninguém, a serenidade natural das copas tropicais confrontava-se com os arranha-céus e as luzes da metrópole pulsante; falávamos sobre algo trivial enquanto comíamos delicadas peças de sushi compradas no supermercado por quarenta hkd a caixa – delícias do oriente ao preço da sandes de panado; empanturrando-nos de suculento peixe cru, o peso da minha própria gulodice obrigou-me a deitar no chão e olhar o céu estrelado, perfurado pelas agulhas das torres mais altas. Então reparei que, naquele instante, tudo estava ali; e estava bem.
(depois lembrei-me). Quase tudo.


publicado em 12.09.2011