Esses tais assuntos que “verdadeiramente interessam ao país”


Cavaco Silva promulgou há bocado o diploma que permite o casamento entre pessoas do mesmo sexo, com aquela habitual pose de frete institucional de quem quer despachar estes fait-divers para atacar as questões sérias que afligem todos os portugueses. Escolheu mal o dia para bater o ralhete já que – e a política deve tanto, mas tanto, ao domínio do simbólico – se comemora hoje o Dia Internacional Contra a Homofobia. Há precisamente 20 anos, a OMS retirou a homossexualidade da lista de doenças mentais.
Duas imagens à vossa consideração,



A primeira fotografia foi tirada no Stonewall Inn de Nova Iorque, há 30 anos, durante os célebres motins que marcaram o início o Movimento Gay por todo o mundo.
A segunda foi tirada na Rua Passos Manuel, no Porto, durante a  Marcha do Orgulho LGBT de 2009.
Da primeira para a segunda não muda apenas a data e o local; vemos confrontos entre manifestantes e a polícia (0 Estado) na primeira, temos manifestantes pacíficos na segunda; uma subcultura subterrânea considerada como lixo social e arrumada em guetos decrépitos, um movimento aberto à sociedade, emancipatório, na defesa da liberdade e da dignidade humana; e, sobretudo, um clima de obscuridade e opressão em contraposição a um ambiente diversificado, pro-activo e descomplexado.
Não entendo como há quem queira viver numa sociedade e no país da primeira imagem, em crise económica, com desemprego acima dos 10%, com uma sociedade civil mansa e amorfa, que não empreende, que não investe nem projecta, acomodada ao Estado e ao state of affairs, que não cria e não se interessa por aqueles que a constituem. Sr. Presidente, obrigado por hoje também não ter sido – no que toca aos actos, pelo menos –  uma dessas pessoas.


publicado em 17.05.2010