Coisas sagradas


– És um rapaz estranho – Que te ama! – Amas? – Amo-te como se ama as coisas sagradas. – Que coisas sagradas? – Deus, a pátria, a honra; a ti – Venho em último? – Não – Foi assim que o disseste – Vens primeiro, antes de tudo! – Antes de tudo? – Sim.  E, divina, dita o seu cruel mandamento: que tudo seja sacrificado à sua beleza. – Aquela vela que ilumina a virgem e que juraste à tua mãe conservar sempre acesa em sua memória; apaga-a. – Não me peças isso, tudo menos isso! É a santa chama que arde pela sua alma. – Amas-me acima de tudo? – Amo – Apaga-a então.  A escuridão envolve-os, por fim.

Bela, exigia dos homens a profanação de todas as coisas sagradas. Dos cumes da política e do Estado, os poderosos ofereciam-lhe os segredos e a verdade; os insignificantes entregavam-lhe os seus mitos, a sua devoção; os mais nobres, a virtude e a honra. Porque esta deusa era de carne, bela carne, a mais sagrada das coisas sagradas. O seu esplendor irradiava mais luz que os ícones dos altares, mais glória que os grandes ideais; o consolo do calor mundano à promessa vã da tranquilidade do espírito.
Não admira, por isso, que tenha sido fuzilada por alta traição ao Estado, à Ordem e à Virtude. Ditou o destino que, ao contrário desses tais mitos, frígidos e distantes, tenha morrido porque se apaixonou por um reles devoto. Ele era simples carne, bela e sagrada, como ela.



Mata Hari (1931), de George Fitzmaurice


publicado em 24.11.2011