Bairrismo


Sou uma pessoa limitada e sentimental, e por isso sou bairrista. Quando saio à rua afeiçoo-me ao trivial e,  egoísta, esqueço-me dos problemas da humanidade. Não sei se tenho a visão das coisas grandes e nobres, mas acho que não. Há gente de bem que a tem, e ainda bem para todos nós. Que seria dos nossos filhos sem elas. Elas – homens, cada um um homem com o mundo como palco, o seu, em que a vida não se importa com coisas mesquinhas como o aqui e o agora. São esses que se tornam os grandes líderes.
Já os sentimentais preferem o conforto das coisas simples. E por simples digo imediatas, mundanas, risíveis. Tempo, espaço e gente – maldita trindade. Todos desejamos ardentemente mudar o que quer que seja, com igual intensidade, tanto nós, sentimentais como os outros, grandes líderes. Mas é uma chatice porque a fé e a gente dizem-nos para olhar bem alto para as estrelas dos Gregos, só para nos desiludirmos e acabarmos reduzidos à nossa rua. Sou limitado porque não consigo desembaraçar-me dessas três dimensões e apontar para a existência em abstracto; não consigo fazê-lo sem perder o que mais gosto em mim – os limites e o sentimentalismo. Felizmente há quem o faça. Deixá-los.
O palco que reclamo é aquele em que estendo a mão e consigo tocar no tempo no espaço e na gente, ainda que me possam escapar entre os dedos. Por ser limitado e sentimental esse palco é a minha cidade. 

Um bom São João!



publicado em 21.06.2011