Antes de mais,
dizer que “Austrália” é um “Gone with the Wind” moderno é extremamente redutor.
“Austrália” é, basicamente, uma homenagem satírica a todos os grandes clássicos
hollywoodianos das décadas de 30, 40 e 50 do século passado. Ou se quisermos, é
o filme que Leo McCarey ou George Cuckor fariam se voltassem à vida e lhes
fosse dada a oportunidade de voltar a realizar, dispondo plenamente das actuais
maravilhas tecnológicas. Por debaixo do véu esplendoroso de encher o olho,
encontramos a essência de um período de ouro da história do
cinema; “O importante é contar uma história” sempre foi o lema
máximo, repetido até à exaustão pelos grandes realizadores da altura,
reformulado nos anos 70 por Spielberg e Lucas com a fundação do blockbustermoderno,
e revitalizado agora por Luhrman.
O realizador
australiano segue a mesma filosofia que Tarantino usou no seu “Kill Bill”,
que conseguiu elevar géneros de série B, como o western spaguetti ou os filmes
de kung fu, a um novo nível de excelência artística. E fê-lo pegando nas marcas
distintivas desses filmes, levando-as quase até ao extremo do ridículo,
mas sempre com o respeito e admiração sincera que qualquer fã incondicional tem
por essas obras.
E “Austrália”
está repleto de idiossincrasias clássicas: a começar pelos protagonistas,
Spencer Tracy e Katherin Hepburn às turras na terra dos cangurus, Nicole Kidman
comvipes desproporcionados de Scarlett O’Hara (a arvore em contra
luz também lá está em tantos e espectaculares planos), Hugh Jackman, John Wayne
abrutalhado e sedento de pancada à bom macho do Faroeste, vivem os
dois “An affair to remember”, e eis que chega a guerra (não a civil americana,
mas a II mundial) e chegam também os problemas e a destruição, não sem antes
abordar os sonhos de um “Pinóquio” mestiço, pela evocação constante
desse mito maior do cinema clássico que é “O Feiticeiro de Oz”. And
so on, and so on.
É claro que a
mestria de Luhrman está no conseguir que tudo isto pareça apenas adornar a
história principal. Nada mais interessa. É o pressuposto “destes” clássicos. Os
temas da terra, da identidade, do dever e liberdade são leitmotivs
próprios de cada personagem. É aquilo que os une (tal como a falta de
coragem, razão e amor uniu aquele invulgar trio de 1939 em torno de uma
causa comum). E para o qual encontram resposta ao tornarem-se numa
família.
Será por isso
menos redutor dizer que “Austrália” é um “Feiticeiro de Oz” moderno, porque na
verdade there’s no place like home, e tudo se resume a isto, seja
no Kansas ou em Faraway Downs. Assim temos um dos melhores filmes de 2008.
Pelo menos para mim e para o Mourinha. (9/10)
publicado em 15.01.2009