“Still, it’s hard to be made a cynic at
twenty.”
“I was born one”, Amory murmured. “I’m a
cynical idealist”. He paused and wondered if that meant anything.
Andava pela rua e, ao tropeçar num calhau solto
do passeio, ocorreu-me o seguinte pensamento: a história da nossa vida desde a
adolescência é muito parecida com a história do mundo nos últimos dois séculos.
Hobsbawm, pois não!, e as idades da contemporaneidade. Com
a breca! Passarei então a discorrer sobre o assunto (não sem antes
vos confessar, caros leitores, só ter lido o primeiro livro da saga, pelo que
desconheço o seu desenlace; espero sinceramente que isso não importe para o
caso.)
O ponto de partida:
borbulhas e testosterona. Chegamos ao secundário e tudo o que brota da
nossa boca são belas ilusões e absurdidades, que o fim da inocência e o advento
da maturidade produzem por tão bombástica combinação. É a idade das revoluções.
Durante certo tempo deixa de haver chão e tudo é alcançável, por mais utópico,
por mais irrealista, desde um futuro promissor como cineasta em Portugal,
fotógrafo ou escritor, até à foda mais improvável (por mais apetecida) da
escola. Esses três anos são os mais etéreos da juventude. E a luta, a mais
determinada – tem um inimigo certo, palpável: a geração que nos tutela, lá
do alto da sua maioridade. É ela o antigo regime, e é nossa obrigação
derrubá-la implacavelmente para prosseguir o futuro maravilhoso que sonhamos e que
vamos partilhando entre abraços envergonhados e os primeiros copos de cerveja.
A genuinidade das nossas convicções (ainda que ordenadas de forma incoerente,
não importa) e dos nossos afectos é máxima, e nunca voltará a ser tão pura até
ao dia em que voltarmos a confiar nos outros. Se voltarmos.
O primeiro choque
com a realidade acontece com a entrada na faculdade. Aos poucos, a ambição pelo
ideal vai esmorecendo; apresentam-nos por sua vez e em sua substituição a
ordenada ideologia do serviço.
A utopia é infantil e egoísta, e leva invariavelmente ao caos. Impõe-se o
trabalho árduo, e por ele as devidas recompensas desta vida terrena.
Desconfiados mas atentos, vamos falando muito das forças que regem o mundo, da
sua natureza intrinsecamente benigna ou maligna, e como,
aproveitando-nos delas, tornaremos a mudança possível. A revolução não está
morta, nem abafada, mas far-se-á a partir de dentro: acabaremos os nossos
cursos com distinção, teremos empregos influentes que impressionarão os outros,
seremos respeitados pelas massas, e assim, com eficácia reforçada,
subverteremos o estado das coisas. Mas para isso temos que prestar homenagem ao
dito serviço, e lutar pelo nosso quinhão, reunir algum capital para avançarmos
seguros e com o mínimo risco.
O período que se
segue ao final da faculdade é, provavelmente, o mais desesperante. O mundo é
mais brutal que o que nos tinham avisado. Somos como o país mais pequeno e
impotente do mundo cercado por gigantes bélicos que nos ditam, implacáveis,
quando podemos espirrar e ao que podemos aspirar. Sem termos consciência disso,
dizem-nos agora, fomos trilhando desde muito novos um caminho, uma carreira, a que não
poderemos voltar as costas, salvo a grande custo e sacrifício do nosso
bem-estar. Quem o faz é como ir à guerra – quem o fez, deu, e levou. Nesses,
ficaram calos, cicatrizes fundas num terreno trabalhado com grande sofrimento,
que só serão acomodadas passados muitos anos, mas que ficarão como lições
aprendidas a custo e por isso nunca acções arrependidas. Esta é, afinal, a
idade das frustrações, da impotência.
Finalmente, os
extremos. Depois de muitos trabalhos perdidos a meio, de projectos furados, de
hipóteses e expectativas lançadas com garbo às incertezas, nunca
materializadas, optamos por ceder à força e desbaratar algumas convicçõezinhas
de somenos para abraçar qualquer coisa de constante, a bem de algum sossego. E
só passado algum tempo percebemos a factura que nos exigem: a disciplina, o
exemplo, a rotina, que nos minam a vitalidade, a criatividade e a ousadia de que
sempre, por natureza, nos orgulhámos. E acontece dizerem-nos estarmos bem, apesar de
pensarmos o contrário. Deve ser verdade. Continuamos. Semanas a fio só com um
par de horas de descanso ao fim do dia; e o Domingo, para estar com a
família. Descobrimos o surpreendente deleite de uma ida ao cinema à
segunda-feira, ou então de passear numa avenida junto ao mar sem telemóvel.
Coisas que, antes, no início da história, dávamos como certas e pelas quais
nunca imaginámos ter de correr tanto e por tanto tempo, só para voltar a
gozá-las de quando em vez, por um bocadinho que seja.
No fim da história deverá haver a idade da acomodação, em que,
já instalados, longe das exaltações anteriores, veremos germinar um calorzinho
nas coisas modestas mas reconfortantes dos dias, como aprender a cozinhar
coelho à caçador, ver crescer uma vinha e dela espremer a nossa primeira
colheita, escrever em páginas soltas sobre os passeios e sobre as pessoas
destes meses passeados com demasiada calma, reunir os amigos em tradições inventadas
a cada ano, sem necessidade de explicação. E o amor, o único que, afinal,
sempre caminhou connosco lado a lado por entre as trincheiras e as batalhas,
será, por fim, a única bandeira hasteada.
Agora então, sem pretensões de
espectacularidade, confirmaremos o ímpeto revolucionário que nunca nos
abandonou, e a marcha prosseguirá ao seu ritmo.
Tomás, um abraço, estamos contigo.
publicado em 05.03.2013